domingo

De volta - O retorno ao paraíso pertence aos que entendem o desvio da rota ...




Era uma rua distante do centro urbano movimentado, casual.
Era aquela rua bem no fim da curva, perto da saída da cidade.Caminhos onde poucos se atreviam a passar.
Os poucos que passavam ali, passavam apressados e apenas porque se perdiam do caminho padrão. 
Passavam então apressados pelo medo do que poderiam encontrar no meio do caminho.
Alguns passavam até de olhos fechados com os braços abraçados , laçados ao peito, no entorno de sí mesmos, criando uma espécie de escudo.
Outros ficavam tão confusos que apenas corriam, corriam e corriam para longe dali, desesperados.
Aqueles que usavam algum tipo de adereço como chapéu, gorro ou túnica aproveitam para esconder o rosto, como eternos fugitivos.
Era em grande maioria, o caminho dos passos apressados e o caminho daqueles que nem tentavam olhar ao redor .Isso sempre foi assim, ainda é.
Era o caminho perdido, a rota alternada, surpresa, oposta, para a maioria dos ali colocados era até uma rota indisposta, o de repente, sem aviso e sem aviso para quem só gosta de planos cronometrados , causa amplo desconforto e reações adversas , como por exemplo a paranóia .
Pensavam sempre que estavam ali por acaso, mas nada é ao acaso, nunca foi .
A rua então tão evitada tinha uma grande casa, de muros altos, cor branca e de contornos dourados, mas que com a ferruge do tempo, do não movimentar de portões , o branco se combinava com um tom opaco e até meio triste. O branco não estava tão branco pelo movimento do tempo .
A casa ficava alí , bem no final do caminho.
O caminho não era 100% beleza e por isso era até compreensível o medo que muitos tinham de andar lá.
O caminho tinha buracos, desníveis violentos, pedras, flores com espinhos, árvores antigas com velhos balancês que contavam implicitamente histórias de um tempo liberto e de de vento no rosto.
A casa tinha ainda uma torre enorme, circular , bem no centro, que parecia contornar a ligação de um pátio ao outro. A torre tinha uma janela que apesar de estar em meio a esse abandono tinha sempre uma luz acesa , talvez pelo candelabro, luminária...
Tinha a sombra que ficava por trás de uma cortina de véu leve...
Os que ali passavam apressados não podiam entender por causa da violenta pressa e também por causa do medo e ansiedade diante do costume de não se render (porque rendição exige coragem) ao significado do que poderia ser tudo aquilo, nem mesmo tentavam entender porque alguém lá residia .
E assim foram milênios, séculos, décadas, anos, dias, meses, horas, segundos, milésimos.
A luz ?
Bem ela ainda permanecia e permanece lá, exposta aos olhares distantes e desconfiados até que um certo dia ...
Bem , um certo dia, uma moça se deixou levar por caminhos diferentes porque queria quebrar a rotina e foi para lá , exatamente lá, onde muitos já haviam passado e continuavam a passar amedontrados pelo ar de transformação contido no éter.
A moça porém, estava em uma fase que costumava chamar de "deixa pra lá", queria mesmo ficar a mercê de tudo que estava acontecendo à sua volta e experimentar sabores e cores, olhares e sons , queria ampliar percepções e entender aquilo que para muitos não tinha explicação.
Corajosamente foi em passos lentos e firmes, até lá.
Não tinha chapeú pois não gostava, não tinha túnica porque alí não era propicio seu uso, também não tinha capuz.
Tinha só os cabelos vermelhos ao vento, soltos , um vestido primaveril apesar da estação fria , vestido leve, largo, meio violeta, lilás. Tinha a sapatilha baixa e uma meia estampada até as coxas . Meia de boneca porque gostava de composições mágicas , até meio infantis !
Tinha para sí uma noite que estava ficando enluarada e nas mãos carregava seu guarda chuva habitual , pois naquela cidade não se podia confiar no tempo.
Apesar de andar naquele hemisfério desconhecido, ela seguia radiante e um pouco desperta com doses de menina ansiosa.
Deparou-se com um canteiro pequeno, cheio de cipós contorcidos e galhos secos . Parou e olhou . Parou e notou que atrás de toda abstração natural contorcida havia uma flor, vermelha. Não era rosa, nem violeta, margarida ou jasmim. Não era orquídea, gérbera, ou algo assim ...
Era algo que tinha brilho e contorno, espinho, mas tinha luz e beleza inimagináveis à  mente humana tão ocupada em catalogar apenas pela ciência e prova.
Pensou em colher a flor, mas também entendeu que a beleza estava em mantê-la ali, viva e disposta ao olhos que desejassem ver, de verdade.
Percebeu certa pulsação na flor e hipnotizada a quis tocar.
Então assim fez, estendeu as mãos e tentou tocá-la .
Quando deu por sí e retornou daquele transe mágico , estava com a mão em seu coração.
Descobriu então que a flor era o coração e que a pulsação era a sua .
Encontrou-se e foi encontrada em um "suposto acaso".
Ficou espantada sim e com o coração totalmente exposto seguiu até o portão alto. Tentou empurrar, mas ele estava fortemente travado pela falta de movimento.Não desistiu e viu bem ao lado um monte de pedras entulhadas .Pedras largas, quadradas, com algumas arestas e por ali tentou subir. Nem mesmo pensou no quesito invasão!
Chegou ao extenso quintal e continuou a caminhada querendo bater na porta que bem à sua frente se mostrava e com o coração nas mãos , em verdadeira doação .O guarda chuva à esta altura havia sido deixado de lado, de canto, sabe-se lá onde !
Bateu na porta com delicadeza e escutou passos apressados, como se alguém há tempos esperasse uma visita, uma visita que não fosse o carteiro.
A porta se abriu e dali alguém lhe estendeu as mãos, sem mesmo perguntar quem era ela.Ela foi acolhida com um suspiro encantado e um abraço apertado, ganhou um beijo demorado e entendeu que ali, ali sim , em meio ao confuso, residia o amor.
Amor puro e simples que sinalizava da torre e ainda sinaliza todos os dias.
Amor que leva ao paraíso.
Os que fugiam e fogem desse desconhecido pensam que por ser amor tem que ser fácil , pensam que para ter amor é só citar palavras de elogios , pensam que coração só vale quando é do outro , mas não entendem que a conquista do amor é gradual, é ato de delicadeza e observação e que dois corações só se unem quando se reconhece primeiro o coração que se tem.
Amor mora atrás de tropeços, de desníveis e fica flutuando em um éter de mistério. Traz sim descontrole porque vai modificando a alma aos poucos e tudo que muda dói, causa um certo ranger. Amor de verdade faz isso , amor de verdade exige desprendimento do caminho padrão, exige passos mais lentos, desprovidos de qualquer pretensão.
Tantos que ali passaram e se fecharam em suas próprias prisões mentais e na eterna mania de buscar explicações para tudo. Explicações lógicas e pautadas , mas ...
Amor não tem explicação lógica, do contrário seria produto de laboratório vendido em frascos de coração , feitos de vidro.Mas que quebrariam na mesma medida de facilidade de obtenção.O fácil quebra, se desfaz.
Pode-se dizer que até é feito em laboratório, mas não em um laboratório químico, industrial, farmacêutico . Amor é produzido no laboratório interno que cada um carrega consigo.
Alquimistas são os que se atrevem andar pelos desníveis e colher as mais raras sensações, porque são elas em conjunção estelar e em vibração com os elementos que temos dentro que fazem amor acontecer. Amor começa nos olhos e por isso não adianta colocar o chapéu ou capuz .É preciso antes de tudo ver e tocar o coração ainda que doa .
Muitos chegaram na casa do amor,foram levados , mas nunca entenderam o motivo do desvio e nem mesmo entenderam a paisagem apresentada, não souberem sequer ver a flor atrás dá árvore , logo não souberem ver e sentir o próprio coração -pulsação.Morreram em vida? Talvez seja a mumificação da alma que quer expandir além das amarras.
Só sei dizer que aquela moça ousou, permitiu-se , foi entrega, então amou !
Foi a regressa,a que esteve de volta ao paraíso pelo desvio da rota e da rota que nunca estará no mapa vendido em bancas de jornais ou em guias turísticos ...
Mapa de um "suposto acaso". Um doce acaso celeste !



Um comentário:

Expus meu devaneio , exponha o que achou ? Um beijo na alma *