O Chão era plano apesar da rua ser torta. Tinha a curva da esquina e o muro feito de rochas .
Tinha lamparinas na janela e rodas enluaradas de fogueiras encantadas .
Tinha olhar desconfiado da torre , olhares debochados da casa maior.
Tinha a porta fechada da Catedral e um barco no rio que enfurnava velas no primeiro vendaval.
Se soprava o vento, era tempo de partir, partir um pouco mais inteira e ainda assim deixar metade de sí no solo em que girou, na mão que tocou e nos olhares que encantou.
Tinha a tenda apoiada na frondosa árvore , era tecido suave , talvez, branco , vermelho e com tons de rosa .
Tinha uma pedra no alto , onde ela sempre ficava sentada pra desenhar com as estrelas, os signos ...
A mesma pedra era ponto de descanso e canção.
Lá ela entoava os sonhos em frases de espontâneas.
Um diálogo inconcluso e concluinte da hora.
Não cantava em altos tons porque não gostava de barulho .
Cantarolava em voz baixa ou simplesmente em murmúrio.
As mãos acompanhavam e teciam um ballet fatal.
Ela contorcia as mãos e o seu olhar elevava intensidade até o final .
Pés na terra, pés sempre no chão.
Pés e mãos, eram suporte para sua imensidão agarrada na gravidade .
Gravidade necessária , porém não suficiente .
Sim, ela sabia voar .
Desprendia-se do ar em movimento circular , colocava sua saia a rodar , deixava a saia dançar leve , sua veste manto que rodava ao sol .
Sua veste leve que a lua atravessa em raios prata .
Era passado, talvez história , mas nunca deixou de ser .
Ficou um tempo perdida entre linhas da razão fria , foi achada em um dia pela melodia do artista urbano.
Foi um resgate ainda que seja pela genética.
Talvez seja o passado da vida passada.
A vida encantada que de forma ou outra vira lenda , quadro e poema .
As vestes que rodam ao sol e refletem na lua não deixaram de existir , os pés no chão persistem encantadoramente firmes no propósito de beijar a terra com passos ritmados .
O olhar de mistério e doçura é natural nela e em nela está para focar o encontro com aqueles que por aí andam esquecidos de um tempo em que se podia saudar a lua sem parecer louco , simplesmente porque isso era definição de beleza.
A pedra do alto se tornou atualmente sua janela , os tecidos da tenda são suas cortinas e os signos já existem porque foi ela com sua abstração e certa ousadia que os desenhou lá atrás para tentar manter a lembrança de que somos elo , enlace ...
Pode ter sido a Cigana de sonhos distantes ou a cigana desprezada pela frieza das vestes nobres .
Nunca ligou e acho que apesar da marca e do fim que não foi explicado , ela continua sua nobre missão de olhar pro céu e dançar na terra , missão de fazer vibrações e saudações aos astros de luz .
Talvez hoje ela seja apenas a moça que passa apressada mas que de repente , como intuição , olha e seduz quem passa .
Talvez, apenas talvez , mas com a doce certeza de que existe paixão em cada pedaço de chão e em cada movimento que faz , ainda que seja para digitar uma simples história ou estória .
Ela sabe, eu já não sei tanto, mas sinto , por isso escrevo ...
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